DISCLAIMER
Este blog não tem pretenções literárias. Todos os textos postados aqui são produto de uma mente um tanto inquieta e, como tal, em constante busca de respostas para as inúmeras perguntas que teimam em surgir sem serem convidadas. Leitores que caírem, propositalmente ou não, nesta toca devem, portanto, abster-se de julgamentos de valor e tentar ler esses pequenos posts sem preconceitos...


domingo, 19 de outubro de 2008

Sobre a Utilidade das Fitas Verdes

Desde pequena, Alice se esforçara para se encaixar no mundinho pequeno, confortável e seguro da aldeia onde morava. Lá, a vida corria como devia ser. Crianças brincavam inocentes; adultos casavam-se e faziam filhos; e velhos contavam histórias, que sempre tinham finais felizes e envolviam crianças que brincavam e adultos que se casavam. Menos a avó de Alice: suas histórias envolviam lobos que devoravam meninas que eram diferentes das outras. Ela sabia que Alice era diferente. E Alice sabia que a avó sabia, e que também sabia que o lobo a visitava todas as noites, quando tentava em vão sonhar sonhos de menina. E todas as manhãs ela olhava a avó e a avó a olhava, e sabia. Alice não sabia se temia mais o lobo ou sua avó.

Um dia, a avó de Alice se mudou para a aldeia vizinha, na qual só se chegava atravessando uma densa floresta. Alice respirou aliviada. E sua vida voltou a ter uma aparência de normalidade.

Até que sua avó adoeceu seriamente, e sua mãe pediu que ela fosse até lá cuidar dela.

"Não quero ir, mamãe, tenho medo da floresta!!" disse a menina.

"Medo de quê, boba, não há nada na floresta, são histórias... tua avó precisa de você."

Alice ainda tentou lutar contra a mãe, mas sabia que era uma luta perdida. Enfim, arrumou suas coisas e partiu em direção à aldeia da avó.

Após algumas horas de caminhada, a menina chegou à floresta que tantas vezes vira em seus sonhos de vigília. Parou embaixo da primeira árvore e respirou fundo. "Daqui não há volta", pensou. E pôs-se novamente a caminhar entre as árvores, que iam ficando maiores à medida que avançava. Alice fechou os olhos e prosseguiu.

Após caminhar por alguns minutos, enroscou-se em algo que pendia das árvores. Abriu os olhos e viu uma longa fita verde. Após pensar alguns segundos, decidiu pegar a fita e levá-la consigo. Colocou-a dentro da cesta onde levava os remédios para a avó e seguiu em frente.

Algumas horas depois, chegou à casa da avó. A velha estava na cama, e parecia a Alice que havia encolhido e envelhecido muito além de seus anos. Seus olhos eram imensos e fundos, e neles a menina reconheceu um sentimento familiar. "Meu Deus, ela está com medo", pensou.

"Do que você tem medo, vovó?" perguntou Alice.

"Tenho medo do lobo!" respondeu a velha. "Vem aqui, minha neta, me abraça enquanto é tempo, que hoje à noite o lobo vai me levar..."

E Alice a abraçou.

Na manhã seguinte, Alice levantou-se para dar o remédio da avó e encontrou-a morta na cama. Em seu rosto arroxeado, os olhos imensos ainda guardavam uma expressão de incredulidade. E em torno do seu pescoço, bem apertada, ainda estava a fita verde.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

JANTAR


O closet parecia não ter fim, e nem as roupas, os sapatos e os acessórios dela, cada um mais lindo do que o outro. Para mim, a sensação de estar naquele lugar só poderia ser comparável à que uma criança deve sentir ao entrar pela primeira vez num parque de diversões repleto de brinquedos e atrações dos mais excitantes, mas sem poder ir a nenhum.

Ela notou que eu estava pensativa, e perguntou o que ia pela minha cabeça.

"Estava pensando como você dorme", disse.

"Muito mal", respondeu.

"Eu imaginava."

"Por quê?"

"É muita riqueza!"

"Você sabe que isso tudo pode ser seu também."

"Obrigada, mas prefiro tentar obter tudo isso sozinha."

"Mas você sabe que isso é difícil. A gente não pode conseguir tudo na vida sozinho..."

Enquanto eu pensava sobre como iria responder a isso, ela se aproximou. Eu parei de pensar.

Mais tarde, comecei a ouvir sons vindo do andar de baixo da casa, risadas, música. Alguém estava tocando piano.

"O que é isso?" eu perguntei.

"Estão dando um jantar. Vem comigo?"

"Mas não posso descer assim."

"Não tem problema..."

Quando saímos, eu olhei no espelho do quarto. A pessoa que olhou de volta pra mim era eu, mas não era. Vi uma mulher morena, vestida em um Versace estampado com girassóis multicoloridos que pareciam querer pular do vestido e dançar ao som da música que vinha lá de baixo. E ao pensar nisso, eu também comecei a sentir vontade de dançar...
"Estou pronta", eu disse.

"Vamos."

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A LOUCA E EU


Tenho vivido uma crise existencial/criativa desde que iniciei esta jornada pelo mundo dos textos e da ficção. Após meses de tentativas frustradas de escrever algo que, ainda que remotamente, lembrasse um texto ficcional que tivesse qualquer valor, há algumas semanas finalmente cheguei ao diagnóstico fatal: nunca vou ser escritora, porque não tenho imaginação. Pronto!!
Até que o interessante e instigante livro de Rosa Montero - aliás, ele mesmo um amálgama entre os gêneros ficção e não-ficção - me acenou com uma possível luz sobre esse prognóstico tenebroso. "A imaginação é a louca da casa", disse Santa Tereza. E Rosa Montero se inspirou nessa frase para criar um livro que fala, entre outras coisas pertinentes ao mundo do escritor e da escrita, justamente da tal imaginação. E o que ela diz é que "a louca da casa" está em todos nós. Faz parte intrínseca do espírito humano, e vai sendo domada, cerceada e tolhida durante nossa existência de modo que possamos sentir que pertencemos à humanidade à nossa volta. Que possamos viver nossas vidas ordinárias, exercer nossos trabalhos ordinários e ter nossas relações ordinárias.
O escritor, desse modo, seria alguém que conseguiu encontrar a louca em algum lugar de sua mente e a deixou sair e se expressar. Que conseguiu sair do ordinário e criou algo extraordinário, ou seja, alcançou o tal Mundo Especial.
Essa idéia pode ser romântica, e pode não ser simples assim libertar a louca. Mas pelo menos acreditar que ela dorme dentro de mim me dá esperanças de que um dia, quem sabe, eu descubra onde ela se esconde e abra as portas da prisão para que ela saia e me enlouqueça um pouquinho. E talvez neste dia eu consiga escrever ficção. Talvez.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O desejo-monstro e o cinema americano

Ontem à noite, zapeando sem muita vontade pelos canais a cabo, deparei-me com uma reprise de "Instinto Selvagem" no telecine pipoca. Após espantar-me com a estranha escolha deste canal em particular para a exibição de um filme tão perturbador, decidi assisti-lo por alguns minutos, já que não o via há pelo menos uns 12 anos e lembrava-me de que ele continha algumas cenas, assim, interessantes...
O que não lembrava era que o interessante do filme vai além das tais cenas; não sou psicanalista nem ao menos psicóloga, mas fiz (e faço) muuuuita terapia e acho que esse roteiro vai fundo em questões muito incrustadas na psique humana, em especial a do desejo como algo que devemos temer. A cena que escancara essa imagem é uma em que o personagem de Michael Douglas é despertado de uma soneca à frente da TV por um telefonema . Enquanto na tela um monstro horrível persegue a mocinha em um velho filme de terror, o nosso mocinho recebe a notícia de que seu chefe acabou de ser assassinado com um tiro. A principal suspeita? A mulher pela qual o protagonista está sexualmente atraído, num desejo que beira a obsessão. Mais claro, impossível.
O filme tem muitas viradas e, logicamente, perseguições, mentiras, tiros e assassinatos. Mas nada disso me marcou mais do que o desejo-personagem - na verdade o principal protagonista - que, como o monstro do velho filme, mais cedo ou mais tarde vai nos pegar. Seja pela culpa, pela paixão não correspondida ou por alguma doença venérea. Ou, no caso do personagem principal do filme, por golpes de triturador de gelo.
E tudo isso porque, um belo dia, alguém achou por bem distorcer as palavras de um suposto messias a fim de exercer o poder sobre nós, os pobres mortais. Acabou com nossa alegria, mas pelo menos garantiu o alto poder de entretenimento do cinema americano...

sábado, 13 de setembro de 2008

Mensagem para quem não me lê

Pergunta-se sempre aos escritores e àqueles que querem sê-lo por que eles escrevem. Mas poucas vezes se pergunta para quem escrevem. Eu mesma me faço sempre essa pergunta. Mais do que saber por que escrevo, pergunta para a qual ainda não tenho resposta e portanto me parece inútil, quero saber para quem. Mas, uma vez feita a pergunta, percebo que também para ela não tenho resposta. E que para respondê-la tenho que saber a resposta da primeira. Ou seja, estou de volta à estaca zero.
Mas, em algumas ocasiões, como hoje, sei que quero escrever para pessoas que, infelizmente, não lêem este blog. Consigo pensar em pelo menos duas delas. E o que diria a essas pessoas, se fossem minhas leitoras?
À primeira, eu diria: se você lesse este texto, saberia quanto mal me fez. Saberia o quanto eu lutei comigo mesma e o quanto "discuti com Deus", nas palavras do Chico, por sua causa. Como você virou minha vida de cabeça pra baixo, e as coisas todas caíram à minha volta e nunca mais voltaram pro lugar exatamente onde estavam antes. Nunca mais vão voltar.
À segunda, eu diria simplesmente: se você lesse este texto, não entenderia nada. E isso é muito triste para mim.
E, às poucas pessoas que vão ler este texto, eu digo: obrigada por serem minhas cúmplices. Obrigada, por me darem a certeza de que isso que sinto quando escrevo este texto não ficará só ecoando dentro de mim, para sempre sem retorno. E porque, graças a vocês, pelo menos por hoje consegui achar a resposta de por que escrevo.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Almoço

Ela me disse "minha mãe foi pra Itália me trouxe uma lava-louças Prada ". Achei que ela estava exagerando, ou tirando sarro da minha cara, mas ela falava sério, como vim a descobrir mais tarde.
Um dia ela me convidou para um almoço na sua casa. Assim que entrei, vi que ela não exagerava mesmo: nunca tinha entrado numa casa tão grande ou tão rica. Salas que pareciam não ter fim, quatro ou cinco criadas, até um quarto só para suas roupas ela tinha. E eu pensava "se ficar com ela, serei rica e viverei uma vida de princesa", mas logo me arrependi de ser tão superficial. Ademais, nunca quis que ninguém me sustentasse , não ia ser agora que iria querer. Havia outras pessoas lá, amigos e familiares dela. Hora do almoço, nos sentamos, mas nem todos. Ela e algumas outras pessoas tardavam a vir para a mesa, detidos não sei por que razão. Alguns dos convidados, tentados pelas iguarias incrivelmente sofisticadas e cheirosas que já se encontravam dispostas sobre a mesa, e certamente famintos, começaram a comer. "Que falta de educação", pensei, "vou esperar até que ela e os outros estejam sentados". E esperei. Infelizmente, quando isso aconteceu e fui pegar um prato, vi que todos estavam sujos. Fui até a cozinha, onde três empregadas estavam ocupadas com a arrumação, e foi aí que testemunhei que ela tinha, de fato, uma lava-louças Prada, que mais parecia um frigorífico de tão grande. E foi lá mesmo que o prato foi lavado, pois as moças não lavavam nada manualmente.
Voltei para a mesa do almoço, onde descobri que quase toda a comida havia acabado. Os grandes camarões empanados, as codornas recheadas, os pãezinhos de todas as cores, deles nada restava. Só haviam sobrado os pratos menos apetitosos - os legumes grelhados, os cogumelos e os pães sem muita cor. Eu, que nesta altura já estava esfomeada, me servi desses mesmos, fazer o quê.
Após o almoço - o meu um tanto fraco -, ela me levou para ver o tal closet gigante, onde ficavam todas as suas roupas. Era um quarto longo e estreito, no qual grandes armários ocupavam toda a extensão das paredes laterais. Perguntei a ela se não era desconfortável ter de andar tanto (afinal, as distâncias na sua casa eram grandes) para poder se vestir. Ela disse que não. Enquanto andávamos pelo closet e ela me mostrava seus vestidos Dolce e Gabanna, suas bolsas Gucci e seus sapatos Laboutin, eu olhava para ela e pensava como era bonita. E milionária. E eu, que fui dos poucos que tiveram educação suficiente à mesa, nunca teria uma casa ou uma vida como aquelas.
Tudo bem, não saberia mesmo como operar uma lava-louças Prada. Mas adoraria um closet daqueles...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Saudades

Me apaixonei por você num relance
você tremia nos meus braços
com medo da vida
e eu dizia tudo bem, eu também
já tremi de medo...
levei você comigo
te pus na minha cama
e afaguei seus pelinhos eriçados
(você tem os pelos arrepiados até hoje...)
e você dormiu a noite toda encostadinha em mim.
Não fui eu quem te deu teu nome
mas ele coube direitinho em você,
que tem cor de biscoito
e é doce como um também.
Sua ausência dói todo dia
e à noite sinto a falta
da sua presença quente e calada...
minha única saída
é te lembrar nessas fracas linhas
que não te fazem jus.

VILEZA

Como ela pôde fazer isso?? Não acredito que é minha neta! Essa não foi a educação que seus pais deram pra ela, e nem eu! Que vergonha, meu Deus, que vergonha. Por que fui entrar no banheiro??? Não, ainda bem que entrei, que peguei ela no ato, assim posso cortar o mal pela raiz. E sei exatamente como vou fazer isso. Vou pedir pra ela sair comigo ("vem, filhinha, vem com a vovó no supermercado", "legal, vó, vamos sim" - ela adora ir comigo no supermercado); vamos no supermercado da rua 12, não faz mal que é mais longe, digo pra ela que esse mercado é melhor que o da Mercedes. Na rua 12 tem o mendigo torto, ai Deus me perdoe, não posso chamar ele assim, afinal, é filho de Deus, deve ser horroroso ter nascido assim, todo retorcido, os dedos como galhos de julho, pra sempre fadado a esmolar, se arrastando pelas ruas com seus gambitos tortos... ah, mas ela não sabe que ele já nasceu assim! Garanto que posso convencer ela que ele ficou desse jeito porque fez "aquilo". Ela vai acreditar em mim, ela acredita em tudo que eu falo. Garanto, nunca mais vai fazer essa pouca vergonha.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

CEGOS QUE, VENDO, NÃO VÊEM

"Estamos cegos, cegos que vêem, cegos que, vendo, não vêem." (Saramago)

Diana vai se casar. Pedro, seu futuro marido é alcoólatra e, quando bebe, bate nela. Mas ele a ama, ela sabe. Quando a pediu em casamento, disse que havia parado de beber. Ela acreditou. Naquela noite, bebeu só um pouquinho, para comemorar. Ainda no bar, achou que seu vizinho de mesa estava flertando com Diana, e que ela estava dando bola. Quando chegaram em casa, ela apanhou. No dia seguinte, ele pediu perdão, disse que nunca mais beberia. Ela acreditou. Agora Diana está pensando no seu vestido de noiva e em como ele será lindo. Seus pais lhe imploram que não case com Pedro. Todos sabem que ele não parou de beber, menos Diana. Não, diz ela. Pedro a ama. Eles vão se casar, ele não vai mais beber. Ela não vai mais apanhar.

Cátia e Roberto são casados há 20 anos. Têm dois filhos, uma garota de 18 anos e um rapaz de 15. Cátia é publicitária, Roberto é gerente de vendas de uma grande empresa. Ambos trabalham, ganham bem, e pelo menos uma vez por ano viajam com os filhos. Cátia e Roberto têm um casamento invejável; ambos gostam das mesmas coisas, vão ao cinema, jantam fora, curtem a vida. Seus amigos os invejam, afinal, eles têm tudo que um casal pode ter. Roberto ama Cátia e tem certeza de que ela o ama. Conversam muito, Cátia conta quase tudo a Roberto. Quase tudo - menos sobre Júlio, seu colega na agência. Cátia e Júlio são amantes há 4 anos, e se encontram religiosamente todas as semanas, nas quartas-feiras à noite, quando Roberto pensa que ela está na aula de Yoga. Já a esposa de Júlio pensa que ele está jogando tênis. Cátia e Júlio nem cogitam deixar seus respectivos cônjuges. Para quê? São felizes assim.

Lúcia conheceu César por meio de seu cunhado, Fernando, marido de sua irmã. César se interessou imediatamente por Lúcia, e Lúcia se encantou com o cavalheirismo de César. Ele é um homem como há poucos hoje, pensou. Médico de sucesso, César gosta de viver bem. Conquistou Lúcia com seu jeito carinhoso, romântico, jantares à luz de velas, flores entregues diariamente em sua casa. Em um mês, Lúcia estava apaixonada. Em dois, estavam noivos. Lúcia só estranhou uma coisa: César não queria fazer sexo com ela antes de se casarem. Dizia que, apesar de nenhum deles ser virgem, era antiquado e sempre sonhara em fazer amor com sua mulher pela primeira vez na noite de núpcias. Lúcia achou loucamente romântico, embora um tantinho peculiar. Durante os quatro meses de noivado, César continuou insistindo nisso, e Lúcia concordou. Na noite de núpcias, entretanto, César não fez amor com Lúcia. Nem na noite seguinte, nem nas próximas 40 noites. Só após ter pedido a anulação do casamento foi que ela descobriu o porquê. Hoje César e Fernando moram juntos. Finalmente conseguiram assumir seu amor, e tanto Lúcia quanto sua irmã estão sozinhas.

O que é a cegueira? Podemos confiar em nossos olhos? O que é real, e o que é falso? Talvez seja melhor não nos fazermos essas perguntas.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

O PESO DA VIDA


Paul está numa cama de hospital. Ao seu lado, outros pacientes também esperam pela morte. Em seus últimos momentos, Paul se se lembra de algo que ouviu uma vez: aparentemente, um médico comprovou que todos perdemos exatamente 21 gramas no momento em que morremos. A pergunta que Paul se faz é, quanto cabe em 21 gramas? A inacreditável leveza da vida parece uma brincadeira de Deus com as vidas de pessoas como Paul, cujo peso de suas perdas, de sua consciência ou de sua culpa lhes parece insuportavelmente pesado. Para quê tanto sofrimento, se o peso da vida é quase insignificante? Não surpreendentemente, a questão que, repetidas vezes, encerra o filme e a vida do personagem é: Quanto é ganho??? Paul, infelizmente, morre sem encontrar a resposta a essa pergunta. A nós que ficamos, resta esperar que tenhamos mais sorte do que ele. Que em nossos últimos momentos saibamos exatamente qual foi o peso de nossa vida.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

UM POEMA A SEIS MÃOS

Havia começado um pequeno poema sobre uma crise de pânico que tive em plena madrugada, algumas semanas atrás, e não havia modo de conseguir terminá-lo. Após dias "lutando" com os versos e sendo constantemente derrotada por eles, resolvi pedir a ajuda de duas amigas que gostam muito de escrever e o fazem muito bem. Assim nasceram as duas versões abaixo, ambas escritas a quatro mãos. As primeiras três estrofes são minhas, e as restantes, de minhas "colaboradoras".

PÂNICO - VERSÃO I

Uma e meia da manhã, noite adolescente.
Acordo de repente, o coração endoidecido
O que terá acontecido
Pra ele se rebelar assim,
E me arrancar do sono, do sonho,
Do quente?
Está frio, mas suo, me viro
- E lá está o bandido!

"Quem é você e o que quer de mim a esta hora ingrata?"
"Por que a pergunta"
- Diz, ofendido -
"Se a resposta é evidente?"
"Sou o que te atormenta, o que te assusta,
O que te maltrata!"
Respondeu ele, afiando o tridente.

"Sai daqui, besta,
Que de você não tenho medo!"
"Por que, então, seu coração palpita?
Será porque conheço seu segredo?
Ou porque cutuco sua ferida?"

(Ferida do tempo que passou,
Aberta por aquilo que não vivi...
Mas afinal quem sou?
Alguém que nunca está aqui?)

"Saia de mim, demônio.
Que este corpo tem dono!
Tomo de volta o que é meu,
E deixo contigo o que é seu!"

Uma súbita sensação de poder me toma.
"Tridente e tortura,
Frio e loucura,
Vai contigo pra longe."

O demônio não mais me assusta.
"O que fez comigo criatura?"
- grita o demônio, assustado -
Respondo confiante:
"Agora sei o quanto meu corpo custa!
Não te vendo, nem te deixo tomar emprestado."

A noite agora adulta me afaga, tranquila
O demônio se esvaiu,
Junto com a noite fria
Me viro e me cubro
Com meu próprio corpo quente
Agora sou eu quem manda
Em minha própria mente!

Em parceria com Cris Lima

PÂNICO - VERSÃO II

Uma e meia da manhã, noite adolescente.
Acordo de repente, o coração endoidecido
O que terá acontecido
Pra ele se rebelar assim,
E me arrancar do sono, do sonho,
Do quente?
Está frio, mas suo, me viro
- E lá está o bandido!

"Quem é você e o que quer de mim a esta hora ingrata?"
"Por que a pergunta"
- Diz, ofendido -
"Se a resposta é evidente?"
"Sou o que te atormenta, o que te assusta,
O que te maltrata!"
Respondeu ele, afiando o tridente.

"Sai daqui, besta,
Que de você não tenho medo!"
"Por que, então, seu coração palpita?
Será porque conheço seu segredo?
Ou porque cutuco sua ferida?"

"Não sou carola nem crente
esteja o senhor convencido
não acredito nos vivos
quanto mais nos falecidos"


Ele, zangado-"Espera um pouco gazela
com esses ares de donzela
numa certa festa em Veneza
a vi na Ponte do Rialto
dando a um certo noviço
mais do que a mão e o coração aos saltos"

"Então vem daí a lembrança recente
da sua figura espectral naquele carnaval
Fazia um belo par admito, com um certo marquês de Seixal"

"Sou por acaso algum cretino?
Pois saiba: reinventei o seu destino
E pouco se me dá se com arsênico ou cicuta,
se afogada ou enforcada
o que eu quero é levar alguém de assalto,
por desgosto ou sobressalto"

"Seja no inferno ou no hades
O senhor me convocou
Não vejo por qual Erínia
a ventura me abandonou
a sua idéia entrementes
embora inconveniente
de onde se originou?"

"Coisas pouco alvissareiras
São coisas que me fazem bem
e para o mal estou pendente
Se prepara que lá vem:
Entendo bem do desporto
que seu corpo provocou
na orgia italiana
a senhora engravidou"

"Sinto informar-te, meu caro
se para o bem inclinado
não foi você que imprecou
porém fica bem alertá-lo
em caráter excepcional
desde sessenta inventaram
o anticoncepcional"

"O tempo não me interessa
nem gosto de clepsidras
mas vejo que me logrou
Se volto ou não no intento
depende da sua sina
Eu parto sem minha parte
a sorte me foi asina"

Em parceria com Márcia Paula


segunda-feira, 16 de junho de 2008

Um pequeno poema existencialista

Em nossa aula da última terça, nosso professor de poesia, Nelson de Oliveira, nos deu 20 minutos para que escrevêssemos um poema que nos apresentasse. Nem preciso dizer que tal exercício causou um estado de quase pânico entre a maioria dos alunos, eu inclusive. Como escrever um poema em 20 minutos?? Pior, como escrever um poema em 20 minutos sendo que NUNCA escrevi um só poema em minha vida??? E, o pior de tudo, como escrever um poema em 20 minutos dizendo QUEM SOU????
É engraçado o que uma "leve pressão" é capaz de fazer. Diante da tarefa que nos foi dada, e frente ao medo de fracassarmos justamente na primeira tarefa proposta de "bate-pronto" no curso, TODOS os alunos conseguiram escrever o tal "poema de 20 minutos". Alguns deles, inclusive, escreveram pequenas preciosidades, em vista do tempo limitadíssimo e da dificuldade da tarefa.
Eu, por outro lado, se não escrevi nenhuma obra-prima, acabei por perceber uma coisa sobre mim mesma que, não fosse a exigência de ter de me apresentar em forma poética e em 20 minutos, provavelmente levaria muuuito tempo para perceber: que sou, no fundo, uma existencialista!
Que não acreditava em Deus, pelo menos no sentido mais estrito, isso já sabia. Assumi a arte como religião, e é por meio dela - de todas as suas manifestações - que "me religo" com o supremo da vida. Mas confesso que não sabia que tinha uma visão tão Sartreana da minha própria vida.
Abaixo, coloco o tal poema introdutório, e aproveito para pedir aos colegas que me ajudem a aprimorá-lo, nossa próxima tarefa, a qual confesso que estou tendo dificuldades em executar. (Essa versão já é a terceira, mas mesmo assim continuo achando que há muito o que melhorar nela).

IDENTIDADE

Aquilo que sou,
Confesso, não sei;
Apenas que um dia não fui
E - cedo ou tarde - não mais serei.
Em meio a esses dois não-seres
Dia após dia, vivo
meu ser.
O que sou?
A resposta,
Se um dia a tiver,
Não me caberá mais viver.
Aquilo que sou,
Vivo para aprender.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Coisas que fazemos por amor



Não é fácil amar quem é diferente de nós. Se é verdade que os opostos se atraem, também é verdade que as diferenças tornam a convivência difícil, e o que atraiu duas pessoas pode, por fim, acabar por separá-las.
A pessoa que amo é oposta a mim: gosta de baladas, de aventurar-se, de superar seus limites físicos, é maratonista, pedala, faz corrida de aventuras; eu, só gosto de correr pro sofá assim que chego em casa do trabalho.
Mas pra amar é preciso estar perto, compartilhar as coisas de que o outro gosta. Então, no fim de semana passado, saí um pouco do sofá e de minha zona de conforto pra estar junto de quem amo.
Viajamos de madrugada, nos perdemos numa estrada de terra à uma da manhã, escalei pedras, subi e desci montanhas, e ontem mal conseguia andar. Para meu amor, isso foi fichinha, podia fazer isso todos os dias. Pra mim, foi uma superação. E não somente física, embora tenha exigido muito dos meus destreinados músculos e coração.

Não foi só na estrada de terra que me perdi nesse fim de semana. Também me perdi um pouquinho de mim mesma, do meu "eu" egoísta e acostumado a fazer só o que gosto. Acho que amar também é isso, se perder pra poder encontrar o outro.
E até que uma aventurazinha de vez em quando é bom!!...

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Condutas de risco

Uma grande amiga minha escreveu recentemente em seu blog que minha estória "o quarto do espelho" a fez pensar nas escolhas que ela fez até hoje e até sobre questões dos papéis que ela tem assumido em sua vida. Além da honra e do incrível sentimento de realização que senti, pelo fato de algo que escrevi ter provocado tamanho impacto na vida de alguém de quem gosto, o texto dela, por sua vez, veio ao encontro de uma questão em que vinha pensando desde que vi um filme, no domingo, sobre a coragem de escolhermos nosso destino. O título original do filme é simplesmente "Michael Clayton", nome do protagonista. Como não poderia deixar de ser, o título em português tinha que ser mais "mercadológico", e a opção escolhida foi "conduta de risco". Mas, diferentemente de vários casos conhecidos, achei que desta vez a escolha do título foi feliz.

O herói Michael Clayton tem uma jornada extremamente difícil. Em dado momento do filme, tem que escolher entre continuar desempenhando um papel para o qual foi escolhido pela empresa onde trabalha, e receber dessa empresa um empréstimo que lhe salvará a reputação e, quem sabe, até a vida; ou seguir o caminho que um colega (mentor?) seu, pivô da trama, lhe apontou como sendo o caminho certo, e que ele sente em seu interior que é o que deve fazer, e perder o emprego, o empréstimo e a vida que levou nos últimos 10 ou mais anos. Em dado momento do filme, enquanto tenta convencer o colega a se internar em uma clínica para maníacos depressivos, ele diz a esse colega "Eu não sou o inimigo", e ouve em resposta uma pergunta, "então quem é você?". Perguntinha difícil de responder em qualquer circunstância, mas ainda mais difícil no caso do protagonista.

É claro que, como em todo bom filme hollywoodiano, o herói acaba optando por renegar o trabalho sujo que fazia para a empresa e, ao perder o emprego e o empréstimo de que tanto precisa, na verdade ganha algo muito mais precioso: a vida que ele realmente escolheu, com tudo o que isso implica, além da sensação inigualável de ter ajudado centenas de pessoas que haviam sido prejudicadas pela grande empresa de produtos agrícolas que sua firma defendia.

A jornada desse herói me fez pensar nas escolhas que fazemos e nos papéis que assumimos, normalmente por pressão de nossos pais, colegas, patrões, e da sociedade em geral, ou por medo mesmo, ou ainda por comodismo. Às vezes, sem mesmo nos darmos conta. E, mesmo que não tenhamos uma dívida de US$80.000 como Michael Clayton, nunca é fácil nos despirmos desses papéis e tomarmos as rédeas de nossas vidas (minha amiga que o diga!). Mas a recompensa, o elixir que vem com esse desnudar, quando finalmente assumimos o risco e conseguimos ser, nem que seja um pouco só, verdadeiros a nossa essência, certamente vale todo o medo que passamos no processo.

Nem sempre é fácil detectar quais são nossas condutas de risco. Na minha vida, até hoje, consegui perceber algumas; corri alguns riscos, e algumas vezes eles valeram a pena e voltei para casa com meu elixir. Outras são mais difíceis de assumir, mas continuo tentando.

E você, sabe qual são as suas condutas de risco?

P.S. É interessante notar que o ator do filme, George Clooney, que, embora lindo, nunca foi tido como bom ator, também assumiu uma conduta de risco ao deixar a câmera focalizar seu rosto por vários minutos na tomada final, enquanto a expressão do personagem ia lentamente se modificando para espelhar a transformação pela qual passara. Pessoalmente, acho que esse risco valeu a pena!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O QUARTO DO ESPELHO


Mal havia começado a namorar aquele que se tornou meu marido alguns anos mais tarde quando ele me convidou para passar alguns dias no apartamento que seu pai tinha em uma cidadezinha praiana no litoral sul de São Paulo. "Já te aviso", disse ele, "O apartamento está meio abandonado...". "Ué, abandonado por quê??", perguntei, naturalmente curiosa quanto à razão para tal descaso com um apartamento na praia; "é que esse apartamento era um sonho da minha mãe" (a mãe dele tinha morrido jovem, aos 45 anos, dez anos antes de eu o conhecer) "e depois que ela morreu meu pai se desinteressou por ele, e agora deu pra querer vender". Inclusive, a razão pela qual estávamos indo pra lá, disse, era justamente porque seu pai queria pesquisar o valor do apartamento para colocar sua intenção de vendê-lo em prática.
Alguns dias mais tarde, fizemos as malas e fomos para a praia, meu namorado, meu futuro sogro e eu. A viagem foi curta, e ao chegarmos lá fomos imediatamente descarregar o carro. Como meu sogro queria já levar algumas coisas pessoais embora, tínhamos levado muitas caixas vazias, e por isso tivemos que fazer várias viagens ao apartamento e de volta ao carro. Na primeira dessas viagens, entrei no quarto de casal, que meu sogro dividira com sua esposa, para deixar umas caixas. Tendo acabado de viajar, minha inevitável vaidade feminina me fez olhar no espelho que havia em cima de uma cômoda, para checar o estado do meu cabelo. O cabelo até que não estava ruim, mas reparei que, por alguma razão que não sabia explicar, o quarto que via refletido no espelho me pareceu diferente do que o que eu vira quando tinha entrado nele. "Que coisa bizarra", pensei. Mas, sendo de natureza prática, ignorei essa impressão e me apressei a descer novamente para ajudar a trazer o restante das coisas.
Quando terminamos de levar tudo, foi a hora de criarmos coragem para limpar o apartamento, que realmente estava num estado lastimável; fazia pelo menos um ano que ninguém sequer entrava nele, e a poeira, unida à maresia, cobria com uma camada espessa, esbranquiçada e pegajosa cada móvel do lugar. Depois da sala e do banheiro, foi a hora de limpar o quarto do meu sogro. A primeira coisa que notei quando entrei nele foi que o espelho tinha sido tirado de cima da cômoda. "Alguém deve tê-lo levado para a área de serviço para lavar", pensei. Mas quando eu fui até a área pegar mais panos, o espelho não estava lá. A essa altura, estava bastante intrigada e perguntei, então, ao meu sogro, se ele sabia quem havia tirado o espelho do quarto, e onde ele estava. Mal havia perguntado, reparei que ele havia ficado visivelmente pálido. Meu namorado, que tinha me ouvido, se apressou a perguntar, de que espelho eu estava falando? "Ora, do espelho que estava em cima da cômoda, no quarto de casal!" Eu tinha me olhado nele quando entrei lá, há menos de duas horas! Meu sogro permanecia mudo. Seu rosto, no entanto, expressava sua visível consternação. Foi meu namorado que finalmente retrucou: "Mas o espelho que tinha lá foi tirado logo depois que minha mãe morreu..."
Por alguns momentos, fiquei absolutamente sem reação. Jamais tinha visto, ouvido ou sentido nada que fugisse do que é absolutamente ordinário e mundano; nunca acreditara em nada de sobrenatural. Como reagir àquela experiência?? Aquele espelho tinha me parecido tão real e tangível quanto qualquer outro espelho para o qual já havia olhado, exceto pela incômoda sensação de que o quarto refletido nele não era exatamente o mesmo quarto que vira antes e depois...
Durante todo o resto daquele dia, meu sogro quase não falou; é verdade que ele era um homem calado, mas seu silêncio naquele dia espantava até mesmo seu filho, que o conhecia tão bem. Já para mim, que o conhecia tão pouco, a impressão era de que naquele silêncio havia mais palavras do que ele jamais me dirigira.
Naquela noite, apesar do cansaço enorme que sentia, não conseguia dormir. Quando fomos deitar, meu namorado me disse que o espelho que ficava no quarto dos pais tinha sido um presente do seu pai para a sua mãe, e a dor das lembranças fez com que ele o doasse logo depois que ela morreu. O fato de eu tê-lo visto, e ter me visto nele, quando ele não estava mais lá há anos, me assombrava.
Horas mais tarde, senti sede e fui buscar água na cozinha. No caminho, passei pelo quarto do meu sogro. Incrivelmente, ouvi uma voz masculina vindo do quarto, e percebi que ele falava, baixinho, como se conversasse. Então me dei conta: ele estava conversando com sua esposa morta. Não conseguia ouvir as palavras, mas no tom da sua voz ouvi emoções que eu nunca ouvira sair da boca daquele homem sério, taciturno. Ouvi amor, saudades, talvez arrependimento. Aquele tom de voz, vindo daquele homem tão fechado e aparentemente frio, me emocionou até as lágrimas. Sentindo-me intrusa naquele momento tão íntimo, voltei para o quarto, sequer lembrando de tomar a água que tinha ido buscar. Deitei-me e adormeci imediatamente.
Nos dias que se seguiram, nunca mais vi o espelho. Confesso que, todas as vezes que passava pelo quarto do casal, arriscava uma olhadela para onde ficava a cômoda, numa esperança vã. Meu sogro e meu namorado não voltaram mais a falar naquele assunto. Mas depois daquela primeira noite, meu sogro pareceu ficar mais accessível, mais falante e, principalmente, mais calmo.
E o apartamento nunca foi vendido.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sobre o SPC

Não, leitor desavisado, não estou prestes a discorrer a respeito do seviço de proteção ao crédito e quais sejam as implicações que ele possa ter na minha vida (se bem que o desgracento já me perturbou uma vez, e como!!!). Nem tão pouco estou escrevendo esta postagem para acabar com a raça dos SPC = Só Pra Contrariar, embora a tentação seja grande...

Na verdade, a sigla SPC, no mundo especial do nosso curso, é criação de nosso professor Gabriel e quer dizer "Sistema Pessoal de Convicções". Algumas semanas atrás, Gabriel nos pediu que, como exercício estilístico, tentássemos expressar nosso próprio sistema de convicções. Em que acreditamos? O que é valioso para nós? Que valores nos guiam?

Venho pensando nisso desde esse dia, e abaixo seguem algumas frases, algumas minhas, outras "emprestadas", sobre o que acredito nesta vida (e peço desculpas se as adotadas estão em inglês, mas é que considero esta minha "língua-mãe-adotiva"!)

  • Sobre a própria vida: "Life is what happens to you while you're busy doing other things" (da música "Beautiful Boy", de Lennon)
  • Sobre o "para sempre": "Forever really means: 'until the day it ends'" (da música "Forever", dos Alessi brothers) - Esta acho particularmente verdadeira!!!
  • Sobre a liberdade suprema de podermos quebrar a cara sossegados, sem que ninguém fique em cima: "I've got the right to be wrong!" (da música de mesmo título cantada pela Joss Stone)

As próximas convicções são originais minhas:

  • Coisas que realmente fazem a vida valer a pena: arte, música, literatura, tudo o que for exercício criativo e gerar beleza; cachorrinhos e seu amor incondicional; crianças e sua verdade incondicional; fazer alguém que se ama feliz; ser feliz com alguém que se ama; ser livre (até o ponto em que podemos ser livres); aceitar a si próprio e aos outros como são.
  • Diferença entre amor e paixão: amor só é possível quando é possível; paixão só é possível quando é impossível.
  • Sobre a fidelidade: a maioria dos seres humanos, no seu esforço por ser fiel, é infiel a si mesma; ainda assim, acredito que a fidelidade ao outro é um mal necessário na nossa cultura, porque, de acordo com os valores dessa cultura, ainda não sabemos lidar com a poligamia.
  • No fim das contas, o que vale é não se levar demasiadamente a sério. Saber rir dos próprios erros e defeitos é um dom valioso!

Quem não concordar com quaisquer dessas convicções, deixe um comentário, adoro criar polêmicas, mas estou sempre aberta a discussões!!

sábado, 10 de maio de 2008

OS DOIS LADOS DA CORTINA

Ela entrou no seu novo quarto, na sua nova casa, e percebeu que todas as paredes eram de vidro. Que estranho, pensou, quem faz um quarto assim, todinho de vidro, escancarado pra rua, deixando entrever tudo o que se passa lá dentro? Tudo bem que a vista era bonita, e a claridade, maravilhosa: mas, ela se perguntou, será que eu quero que todos possam me ver enquanto faço as coisas que faço no meu quarto? Não, concluiu, é melhor colocar cortinas. Mas quando olhou melhor, viu que o quarto já tinha cortinas, que corriam por toda a extensão das paredes de vidro. Ela puxou um lado, depois puxou o outro. Quando os dois lados se encontraram no meio, ela, surpresa, viu que os padrões não combinavam, eram duas estampas totalmente diferentes! Nossa, pensou, mais uma coisa bizarra nesta casa... será que quem morava aqui fez isso de propósito? Eram padrões bem distintos, nem ao menos combinavam entre si... seu primeiro impulso foi tirar as cortinas, mudá-las por outras que tivessem o mesmo padrão; quanto mais olhava para suas cortinas disparatadas, no entanto, mais achava que aquilo até que era interessante... os dois padrões, embora distintos, pareciam complementar-se. E, afinal, ela não era uma pessoa convencional, nunca havia gostado de seguir regras, sempre fora assim, meio rebelde... é, pensou, acho que estou até gostando disto; quem disse que as coisas têm de ser certinhas, bem-definidas, padronizadas? Por que minha cortina não pode ter dois lados diferentes? Finalmente concluiu que sim, que podia, que ela não precisava ser ou uma coisa, ou outra... E assim fez as pazes com os dois lados de suas novas cortinas e de sua nova vida.

O INFERNO DE DULCE

O inferno de Dulce não tem fogo, mas é quente, às vezes sufocante. Outras vezes, é gelado. Não tem diabinhos com tridentes, mas tem clientes estressadíssimos, para os quais tudo é sempre “urgente”. No lugar das chibatadas, críticas impiedosas à qualidade do trabalho, nunca à altura de suas exigências afiadíssimas. Curiosamente, seu próprio trabalho, os textos originais, são muitas vezes incompreensíveis. E os clichês, então, demônios que nem o melhor dos exorcismos conseguiria expulsar??? Os campeões, “pérolas” que nos perseguem em praticamente todos os textos:
Competitividade
Agilidade
Pensamento estratégico
Pulverização
Capilaridade

E o líder de todos, verdadeiro Satanás dos clichês corporativos, conceito sem o qual aparentemente nenhuma empresa brasileira sobreviveria mais que um mês:
DIFERENCIAL
Traduzir alguns desses termos também é parte essencial do inferno de Dulce. Embora alguns tenham sido adotados do próprio inglês, outros diabinhos são bem brasileiros, como, por exemplo, “agilidade”. Não se usa “agility” em inglês, pelo menos nesse sentido... e que dizer de “capilarização”??? Faz até parecer que, em vez de grandes empresas, nossos clientes são fábricas de shampoo!!
No inferno de Dulce, os trabalhos ainda não são infinitos. Mas, se a “filosofia” (estranhíssimo chamar isso de filosofia!) das empresas seguir no caminho em que está, não tardará muito para que isso aconteça.
Amigos leitores, perdoem meu desabafo, mas, afinal, blogs também são para isso!

sábado, 3 de maio de 2008

VADE-RETRO, CLICHÊ!


Pensando sobre algumas razões para meu medo de me expressar em linguagem escrita que possam ir além da já comentada localização infeliz de Mercúrio na casa 12 do meu mapa astral, cheguei à brilhante conclusão de que um dos meus maiores medos ao escrever é o de não conseguir resistir aos famigerados clichês que assombram os que, como eu, não têm a sorte de ser um Mia Couto, e têm que se satisfazer com as palavras e frases às quais estão acostumados, mesmo... o problema é que a língua é uma ilha cercada de clichês por todos os lados: eles estão no trabalho, na TV, nas músicas, até na literatura. Há quem defenda o uso do clichê, se bem utilizado, mas aí me pergunto: como utilizar bem um clichê?? Não, pra isso é preciso MUITA habilidade, coisa que (ainda) não tenho. Prefiro tentar me livrar deles. O problema é que eles estão tão enraizados na minha linguagem que o único modo que consigo pensar de talvez conseguir me livrar dos danados seria realizando um verdadeiro exorcismo de clichês.
Fiquei, então, imaginando como esse exorcismo seria... primeiro, quem eu iria contratar pra ser o exorcista?? É claro que essa tarefa dificílima só poderia ser enfrentada por um membro da Academia, mas não qualquer um... hmm... Paulo Coelho e Nélida Piñon já estão fora... talvez um João Ubaldo ou um Carlos Heitor. Já consigo até imaginar um possível diálogo entre o Acadêmico e os clichês-demônios, algo mais ou menos assim:
Acadêmico: Quem são os demônios que ocupam essa mente?
Clichês-demônios: xii, somos uma Legião, moço, damos mais que chuchu na cerca...
-Manifestem-se!!
-Pode tirar seu cavalinho da chuva, mermão!
-Em nome de Machado de Assis, eu ordeno que deixem essa mulher em paz!
-Mas nem que a vaca tussa!
E daí por diante... infelizmente, porque até que ia ser engraçado, esse exorcismo só é possível na minha imaginação, então não temos como saber qual seria o desfecho dele... mas tenho a incômoda sensação de que o acadêmico iria ser vencido pelo cansaço. E o clichê que acabei de usar não me deixa mentir!... ai não, mais um... é, parece que essa novela ainda vai longe! Se não pode vencê-los, una-se a eles!!
Um agradecimento especial a minha amiga Cris, por ter desenhado a engraçadíssima charge acima!!!

domingo, 27 de abril de 2008

Quando nos faltam as palavras


"Nossa, vocês que têm Mercúrio na 12a casa não falam!!" disse ontem o professor de astrologia, durante uma palestra sobre Mercúrio, deus da comunicação, e seu aspecto em nosso mapa astral, que, segundo a astrologia, determina nosso modo de nos comunicarmos.
Não posso negar que fiquei um pouco ofendida com essa crítica tão incisiva do professor ao meu estilo de comunicação - ou de falta dela -, do qual, aparentemente, o grande culpado é um aspecto infeliz de Mercúrio na 12a casa, a casa do inconsciente e dos nossos medos mais profundos... segundo a astrologia, essa combinação tenderia a me tornar uma pessoa com grande dificuldade de me expressar.
Por outro lado, achei fascinante o fato de que, sob essa visão, é claro, meu dom de comunicar esteja tão intrinsecamente vinculado ao meu inconsciente: costumo dizer que meus sonhos são tão criativos, tão incrivelmente repletos de imagens e simbologias inusitadas, que não é possível que em algum lugar da minha mente consciente eu não seja, igualmente, criativa!... O grande problema, me parece, está justamente em conseguir colocar tudo isso que eu percebo, sinto, intuo, mesmo, "para fora", por meio das palavras. É justamente por isso que tantas vezes me pego tentando explicar um sonho particularmente rico que tive, que SEI que é rico e imaginativo, mas não consigo achar as palavras para narrá-lo...
Hoje, entretanto, ao ler uma conversa entre o escritor inglês Ian McEwan e o psicólogo e estudioso da linguagem Steven Pinker, me senti ao menos levemente aliviada, redimida, até, desse "pecado" mortal de muitas vezes não conseguir me expressar em palavras. Num dado momento da conversa, Pinker afirma que "o pensamento precede as palavras", indo, inclusive, na contra-mão da maioria dos lingüistas, que acredita não haver pensamento sem linguagem.
Embora seja, eu mesma, lingüista, nunca concordei com esse determinismo, que sempre me pareceu forçado, talvez justamente porque eu mesma tantas vezes tive pensamentos que não conseguia expressar em linguagem verbal!
A palestra de ontem e a descoberta desse interessante, mas complicado, vínculo entre meu Mercúrio e meu inconsciente me deu muito que pensar, e me fez voltar à primeira razão para minha vontade de escrever, que exprimi na minha última postagem neste blog: escrever para vencer o medo de escrever. Será que esse medo vem justamente dessa necessidade que sinto de expressar meus pensamentos, emoções e sensações mais profundas por meio da palavra escrita? Será esse meu estilo de criação, minha limitação?
Bendito Mercúrio na 12a casa!!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Por que quero escrever?

Essa pergunta tem me assombrado desde que, em nossa segunda aula, Gabriel nos mostrou o livro "Por que Escrevo?", organizado por José Domingos de Brito, que reúne respostas de autores consagrados. Após ter ouvido algumas dessas respostas, geniais como seus autores, é difícil a gente se não se sentir intimidado e decidir que não vale a pena nem tentar respondê-la... o engraçado é que, ao pensar isso, descobri justamente uma das razões que me leva a querer escrever: quero escrever pra vencer meu medo de escrever. Aí você pode dizer: "mas isso lá é razão pra querer escrever?" Bom, confesso que essa não é minha ÚNICA razão, mas é a primeira. Caso eu consiga vencer esse paralisante medo da criação escrita, acho que posso pensar em pelo menos mais uma razão pra querê-la tanto. Mas pra isso vou ter que parafrasear Rilke, que, pra mim, veio com a mais incrível - e verdadeira - razão pela qual escrever: simplesmente porque criar é uma maneira muito feliz de se viver. Tem razão melhor??

Segunda-feira, 21 de abril de 2008.

Bem-vindos à toca do coelho!

No dia seguinte à nossa primeira aula, Gabriel escreveu em seu blog sobre a relação que há entre a jornada do escritor e o “mundo especial” para onde vai o herói mítico. Um dos exemplos dado pelo professor é o mundo de Matrix. Não coincidentemente, esse filme causou grande impacto no meu mundo interior, justamente por tratar da questão das escolhas que temos de fazer em nossas vidas e como elas vão traçando nossa trajetória e definindo o que seremos ou deixaremos de ser. Para mim, a cena mais marcante desse filme é aquela em que Morfeu oferece duas alternativas a Neo: tomar a pílula azul e voltar à vida de “sono eterno” da Matrix, ao mundo comum que foi escolhido para ele e ao qual ele está condicionado e acostumado; ou tomar a pílula vermelha, que o levará ao mundo especial, ou, na analogia feita por Morfeu, à “toca do coelho”.

Essa feliz analogia nos leva ao mundo superespecial de Alice, no qual ela ingressa por meio da toca do coelho branco. Ao entrar na toca, Alice inicia uma queda que inicialmente parece não ter fim. A entrada no mundo especial fica então intrinsecamente relacionada à perda do controle aparente que temos sobre nossas vidas. O que o mundo especial nos trará??? Ninguém sabe, mas sabemos que não vai ser fácil sair do nosso mundinho comum para buscar essa resposta. E é por isso que Morfeu dá a Neo a opção de escolher entre o mundo comum e o mundo especial. É claro que, como nos disse a professora Márcia em nossa primeira aula, na obra de ficção o herói pode até hesitar, mas no final sempre optará pelo mundo especial (ou será forçado a entrar nele), sem o qual não haveria história...

Na vida real, entretanto, sabemos que nem sempre é assim. A maioria de nós, por exemplo, não tem a sorte de poder fazer escolhas: a luta diária pela sobrevivência torna impossível sequer imaginar que possa haver um outro mundo que não seja o da labuta. Para uns poucos afortunados, entre os quais me incluo, a toca do coelho ocasionalmente se apresenta em nossas vidas e, se temos a sorte de conseguir vislumbrá-la (porque nosso condicionamento muitas vezes não nos deixa vê-la), deparamo-nos com a responsabilidade de ter de escolher: entramos na toca e, conseqüentemente, no mundo especial, onde não sabemos o que nos espera?? Ou permanecemos em nosso mundinho comum, tão tedioso, mas tão confortável, no qual possuímos, ou ao menos temos a ilusão de possuir, o controle da situação?

Enfim, escolher o mundo especial não é fácil. Por um lado, ele nos tenta com visões de aventuras, paixões, sensações novas e fantásticas; quem não se lembra das flores falantes, do gato de Cheshire e do chapeleiro louco de Alice? Mas por outro lado, ele nos assombra com o pior de nossos inimigos: o medo do fracasso. Que “cabeças” serão cortadas??...

Para mim, (re)começar a escrever é escolher cair na toca do coelho, com todas as dúvidas e medos que isso me causa. Será que vou conseguir chegar ao meu país das maravilhas pessoal? Ou, ao final dessa jornada de um ano, vou descobrir que não nasci pra ser escritora? Não saber a resposta a essa pergunta me apavora, não nego. Felizmente, minha natureza rebelde me garante que esse medo não me impedirá de escolher a pílula vermelha. Tenho a certeza de que, aconteça o que acontecer, esta será uma jornada e tanto...

Sábado, 12 de abril de 2008.