DISCLAIMER
Este blog não tem pretenções literárias. Todos os textos postados aqui são produto de uma mente um tanto inquieta e, como tal, em constante busca de respostas para as inúmeras perguntas que teimam em surgir sem serem convidadas. Leitores que caírem, propositalmente ou não, nesta toca devem, portanto, abster-se de julgamentos de valor e tentar ler esses pequenos posts sem preconceitos...


domingo, 10 de junho de 2012

Comida


Se há alguma coisa na minha vida com a qual tenho uma relação de amor e ódio é a comida. Mas não foi sempre assim. Quando eu era criança, como tantas outras crianças eu também não gostava de comer. Me lembro da minha mãe literalmente correndo atrás de mim com um prato de comida nas mãos. Minha relação com a comida mudou drasticamente quando eu entrei na puberdade. Mais ou menos na época em que o primeiro menino reparou em mim e eu fiz minha primeira conquista. Em vez de fugir da comida, eu passei a devorar panelas de arroz puro no meio da tarde e dar cabo de um bolo Pullman inteiro numa sentada. Nem preciso dizer que em menos de um ano me transformei de uma criança magrinha a uma pré-adolescente rechonchuda, com toda a rejeição que isso acarreta nessa fase da vida. E começava também o circulo vicioso fome-ansiedade-comida excessiva-satisfação-culpa-ansiedade-fome... numa sucessão infinita até que a gente nem sabe mais o que veio primeiro, a fome, a ansiedade, a rejeição ou a culpa...

Ontem tive um sonho, um dos primeiros de que me lembro suficientemente pra colocar em narrativa em muitas semanas. Eu tinha visto um programa na noite anterior, uma competição de culinária na qual os chefs tiveram que fazer 10 panquecas perfeitas. Eu AMO panquecas. Sou capaz de comer só a panqueca, sem recheio nem cobertura, e ver aquele programa foi nada menos que torturante pra mim. À noite, sonhei que estava em um bufê de café da manhã por quilo, que, além de uma porção de outras coisas gostosas, tinha as tais panquecas, como os americanos comem, macias e fofinhas, levemente adocicadas, fragrantes e divinas. Eu fui pegando as coisas que queria comer, entre elas as panquecas, é claro, e quando cheguei no caixa meu pai estava na minha frente, também com um prato bem cheio. Ao pesar o prato do meu pai, entretanto, o rapaz do caixa disse que o total do prato dele havia totalizado R$100,00. Meu pai, tão chocado quanto eu, começou a devolver várias das coisas que estavam no prato dele, para baixar esse preço absurdo. E eu só pensando quanto o meu prato, cheio das panquecas, ia custar. Fiquei tão revoltada com o preço abusivo do prato do meu pai e com a humilhação que ele estava passando, tendo que devolver metade do que estava no prato dele, que larguei o meu prato com tudo dentro e fui embora. 

Meu pai não tinha a mesma relação conflitiva que eu tenho com a comida. Ele simplesmente adorava comer, mas comer bem, sem exageros, apreciando a comida. Como eu, ele gostava de sair para almoçar ou jantar, desfrutar de uma refeição com amigos ou familiares, mas pra ele isso era só um grande prazer, sem culpa, sem raiva. Até ficar doente. A doença afetou seu sistema digestivo diretamente, e ele nunca mais pôde apreciar a comida, até finalmente ter de parar de comer de vez.

Acho que o significado do meu sonho é bastante claro. O que é louco é pensar que algo que literalmente nos nutre e garante nossa vida pode causar tantas emoções conflituosas... é como aquela frase, que nem sei onde li,  "o que me alimenta é o que me mata." Chocante, sim; mas não por isso menos verdadeiro. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Minhas mulheres e meus homens

Assim que digito o título desta postagem, percebo o quanto ele parece presunçoso, além de incorreto, porque logicamente eu sei que ninguém "é" de ninguém e tals. O mais correto seria, provavelmente, escolher um título como "as mulheres e os homens da minha vida", mas de algum modo não acho que surtiria o mesmo impacto, então deixo o título como está. Caso alguma das pessoas aqui mencionadas leia este texto, desde já peço perdão pelo uso do pronome possessivo.
Nem sei bem por que decidi escrever sobre algumas das mulheres e alguns dos homens que passaram pela minha vida, a não ser pelo fato de que, entre outras coisas, Sonia e eu conversamos sobre isso na última segunda-feira. Na verdade, conversamos sobre minhas escolhas e o que elas dizem sobre mim mesma. E, refletindo sobre isso enquanto escrevo, não posso deixar de pensar que o fato de eu ter me relacionado tanto com homens como com mulheres também diz muito sobre mim. Não é exatamente algo comum para alguém da minha geração. E no entanto, desde o momento em que eu me vi atraída por uma mulher, tudo me pareceu muito natural, e parece até hoje, embora minha relação atual seja com um homem.
Mas talvez seja mais fácil escrever sobre minhas mulheres e meus homens em ordem cronológica.
Os primeiros homens da minha vida perderam qualquer importância em comparação àquele que, até hoje, foi o homem que eu mais amei: meu lindo italiano, Daniele, que conheci no primeiríssimo dia da minha primeiríssima viagem internacional, e seis meses depois de ter conhecido reencontrei e acabei dividindo um quarto e minha vida por mais onze meses em Londres. Até hoje, não consegui reproduzir com mais ninguém, seja homem ou mulher, a intensidade e a plenitude da minha relação com esse homem, meio cigano, meio amoral, totalmente aventureiro e destemido e que me amou, acredito, também como ninguém mais antes ou depois dele. Sinto falta dessa relação e do nosso amor até hoje, mais de vinte anos depois de ela ter terminado para sempre.
Ao voltar para o Brasil, houve muitos homens, sempre na vã tentativa de encontrar um segundo Daniele. Conheci o Cesar, noivei, fui morar junto, casei. Nunca entendi o porquê. Acho que estava cansada de ser solteira, achei que era hora de casar, quem sabe constituir família, sei lá. Não era pra ser. Estava divorciada em menos de cinco anos. Segundo minha tia que me conhece como poucos, "o Cesar nunca foi páreo" pra mim. Acho que ela tem razão. Excessivamente religioso, ele nunca aceitou meu espírito por demais independente e pragmático, e eu tinha dificuldade de aceitar o que, para mim, era uma visão muito estática da vida. Eu queria mais, ele queria o mesmo de sempre. Não deu.
Depois do divórcio, mais alguns casos, inclusive um com um homem casado, e muitas decepções, antes de eu finalmente chegar à conclusão de que eu não me dava bem com os homens, quem sabe me dou melhor com as mulheres?
Alguns meses mais tarde, conheci a Kika no mestrado. Nem eu nem ela jamais estivéramos com outra mulher. A primeira vez que nos beijamos e fizemos sexo, uma revelação! Sexo com mulheres é demais!! Nada daquela tensão que tinha com os homens, nenhum lance de poder, nenhuma preocupação com desempenhos de ambos os lados, tudo muito fluido, muito leve, fantástico!!
Achei que tinha finalmente me encontrado e encontrado um amor que duraria para sempre. Ela me atraía pelas diferenças que tínhamos, já que somos opostas em quase tudo. Foi admiração mútua, uma querendo ser mais como a outra.
Infelizmente, justamente o que nos atraiu acabou por nos separar. As diferenças foram ficando mais difíceis de lidar à medida que o tempo passava, e o fato de que ela nunca aceitou inteiramente estar se relacionando com uma mulher acabou sendo outro fator decisivo para nossa separação. Eu queria morar junto, dividir minha vida com alguém, ela não conseguia encarar isso.
Com a Cristina, finalmente encontrei alguém que queria o mesmo que eu, ou seja, uma relação sob o mesmo teto, o compartilhamento de uma vida a dois, de fato. Durante mais de dois anos nossa relação foi ótima, sem grandes paixões, sem altos e baixos, simplesmente harmônica, cheia de companheirismo. Sinto falta do nosso companherismo. Acho que no fim fomos mais grandes amigas do que propriamente amantes, e tínhamos tanto em comum que era fácil e bom estar junto, compartilhar ideias, viajar, sair com amigos. Até que ser sermos grandes amigas e excelentes companheiras começou a não bastar para mim. Foi então que eu me vi, totalmente sem aviso, novamente atraída por um homem, e depois de um ou dois meses me vi obrigada a romper a relação com minha companheira para tentar novamente me relacionar com alguém do sexo oposto.
É nesta relação que ainda estou hoje, após ter rompido, morrido de tristeza e conseguido convencê-lo a voltar comigo dez dias depois. No todo, desconsiderando esse hiato de pouco mais de uma semana, estamos juntos há seis meses.
O que, exatamente, me atraiu nele, ainda nem sei direito. Acho que o fato de ele ser tão mais novo que eu foi um fator importante. A juventude dele, se por um lado me lembra o tempo todo que eu já não sou tão jovem, por outro lado me faz sentir jovem, afinal, não é sempre que um rapaz de vinte e poucos anos se apaixona e quer namorar uma mulher de quase cinquenta.
De certo modo, entretanto, o que me atraiu nele é justamente o oposto do que me atraiu na Kika, ou seja, ele é muito parecido comigo. Eu me vejo nele quando tinha vinte e três anos, e ainda hoje mesmo, temos a mesma independência, o mesmo espírito rebelde, a mesma teimosia e, principalmente, a mesma terrível insegurança que nos faz armar até os dentes sempre que nos sentimos rejeitados ou de algum modo atacados. E, se as diferenças entre eu e a Kika tornaram nossa relação muito difícil, as semelhanças entre meu namorado atual e eu também não facilitam as coisas pra nós. As brigas são constantes, e o entendimento, quase impossível. Continuamos tentando, porque nos gostamos muito, ainda acreditamos na nossa relação. Mas se vamos ou não conseguir superar as enormes dificuldades que estamos enfrentando, só o tempo dirá.
Chegando ao fim deste texto, que aliás acabou ficando enorme, eu me pergunto: tudo bem, Dulce, mas e aí? Existe alguma moral nesta história? O quê, afinal, essas mulheres e esses homens e o fato de você os ter escolhido dizem sobre você mesma? E, revendo a minha relação com essas cinco pessoas que enumerei aqui e com as tantas outras que este espaço seria muito pequeno para enumerar, vejo que não há conclusão possível, por serem pessoas tão absolutamente distintas, que me atraíram também pelas mais diversas razões e com as quais tive relações ímpares. A única coisa que todos têm em comum foi que, em algum momento de suas vidas, eles me amaram o suficiente para querer dividir ao menos um pedacinho de suas vidas comigo. E por isso eu lhes serei eternamente grata.