DISCLAIMER
Este blog não tem pretenções literárias. Todos os textos postados aqui são produto de uma mente um tanto inquieta e, como tal, em constante busca de respostas para as inúmeras perguntas que teimam em surgir sem serem convidadas. Leitores que caírem, propositalmente ou não, nesta toca devem, portanto, abster-se de julgamentos de valor e tentar ler esses pequenos posts sem preconceitos...


terça-feira, 25 de setembro de 2012

O impensável

Em um dos meus posts recentes, escrevi sobre a sincronicidade. E eis que ela novamente me pega de surpresa. No meu mais recente texto, questionei sobre se temos ou não a voz ativa sobre nosso destino. Alguns dias depois, a resposta a essa questão me foi dada de forma incontestável. Quem ler este texto poderá, no final da leitura, dizer que fui um tantinho dramática em vista dos reais acontecimentos. Mas isso não vai mudar o cerne do meu argumento.
Um dos maiores clichês da humanidade é que todos achamos que certas coisas jamais acontecerão conosco. Até acontecerem. Certas coisas são impensáveis, até sermos forçadas a pensar nelas. E quando, numa página de diagnóstico de um laboratório clínico, lemos a palavra "carcinoma", temos a nítida sensação de que estamos lendo o diagnóstico de outra pessoa. Certamente aquilo não pode ter nada a ver conosco, certo? Errado.
Só quem já passou por coisa parecida, quem já abriu um laudo laboratorial e viu essas palavras referentes a si próprio, terá a exata noção do que estou querendo dizer aqui.
No meu caso específico, essas palavras são "carcinoma basocelular pigmentado", um tumor maligno bem acima da minha sobrancelha direita. Amanhã ao meio-dia a médica vai extirpar esse tumor e, com um pouquinho de sorte, ele nunca mais irá voltar.
Sorte.
Palavra interessante se associada a qualquer tipo de câncer. Por um lado, se as estatísticas da minha dermatologista estiverem certas, estou entre os 5% de pessoas cujas pintas na testa são, na verdade, tumores malignos. CINCO por cento. Por outro lado, posso me considerar uma felizarda. Meu carcinoma, aparentemente, é dos mais fáceis de serem curados, e eu tive a sorte de diagnosticá-lo no início.
De repente, a noção do que é ou não é sorte se torna muito relativa.
Desde que tive esse diagnóstico, há aproximadamente 20 horas, a humanidade, para mim, se divide em dois grupos de pessoas: as que têm câncer e as que não têm. E, como a grande maioria das pessoas com quem me relaciono pertence ao segundo grupo, é como se, literalmente de um segundo para outro, eu tivesse sido puxada para longe delas. Hoje pertenço ao grupo das pessoas que não têm mais o luxo de se acreditarem senhoras do seu próprio destino.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

RODA VIVA

Uma das mais belas canções do Chico se chama "Roda Viva". Eu particularmente amo a primeira estrofe:

"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu;
A gente estancou de repente,
Ou foi o mundo então que cresceu?"

Conotações e/ou referências políticas à parte, o que mais me interessa na letra da música é mesmo a ideia de que estamos todos presos a uma Roda Viva que leva nossos sonhos e planos embora. E que algum dia a gente vai se sentir como se tivesse estancado. É assim que venho me sentindo nestes últimos dias.

A música levanta a velha questão sobre se temos ou não o comando da nossa própria vida, explicitamente expressa nos seguintes versos, "A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar; mas eis que chega a Roda Viva, e carrega o destino pra lá..."

Eu devo ser dessas pessoas que creem no poder de cada um de mandar no seu destino; se não fosse, não estaria sofrendo por achar que deixei a Roda Viva levar meus planos "pra lá". Mas daí me vem um questionamento: será que isso não passa de uma ilusão vã? A Roda Viva seria, como a canção sugere, algo exterior à nossa vida, ou será que ela É a nossa vida? E não seríamos mais felizes simplesmente deixando ela nos levar??

Essas são as perguntas que me tiram o sono atualmente.


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Corações Frios

 

“Why can’t I free your doubtful mind and melt your cold, cold heart?”




Nessa canção, Norah Jones fala da dificuldade de ganhar a confiança do homem que ela ama e derreter um coração esfriado por uma desilusão amorosa. Em certa parte da música ela diz que “um amor antigo deixou seu coração frio e triste, e agora o meu coração está pagando por algo que não fiz...”
Acho que é meio inevitável que, à medida que o tempo passa, as marcas das desilusões e rejeições de amores passados acabem ficando mais difíceis de apagar; quando somos jovens, as paixões vêm e vão com mais facilidade, as eventuais rejeições doem, é claro, mas nossas mentes e nossos corações sedentos de experiências novas logo estão prontos para outra paixão, outra desilusão... De certa forma, essas experiências da nossa juventude, mesmo as não tão felizes, acabam nos ajudando a amadurecer e a saber o que estamos buscando em uma relação a dois.

Com o tempo, no entanto, essa realidade muda... Já não temos mais a plasticidade e a sede de novas experiências que tínhamos na juventude, e as dores de tantas relações mal sucedidas vão, cada vez mais, deixando marcas indeléveis. E quando e gente se dá conta percebe que nossas mentes se tornaram desconfiadas e nossos corações esfriaram...
O que fazer, então, quando duas pessoas que chegaram a esse ponto em suas vidas se encontram? Como tentar libertar uma mente em dúvida quando a sua própria te manda ter cuidado? E como pode um coração já esfriado por tantas desilusões aquecer outro nas mesmas condições?...

É engraçado que, ao escrever essas últimas palavras, lembrei-me de uma cena que, em qualquer outra circunstância, seria inteiramente mundana e sem grande importância, mas que em uma dessas incríveis coincidências da vida, resume tudo isso que eu estou tentando expressar neste texto, e de lambuja envolve as mesmas duas pessoas a quem me refiro aqui.
Nesta última terça-feira fui encontrar o homem com quem estou saindo há poucas semanas. A noite estava incomumente fria e nos pegou a todos de surpresa. A um dado momento, ele segurou minha mão e disse, “eu queria te aquecer, mas minhas mãos também estão frias...” Acontece que, embora as duas mãos estivessem frias, o proximidade delas acabou por aquecer a ambas.

Pena que não seja tão fácil assim aproximar dois corações frios...

domingo, 10 de junho de 2012

Comida


Se há alguma coisa na minha vida com a qual tenho uma relação de amor e ódio é a comida. Mas não foi sempre assim. Quando eu era criança, como tantas outras crianças eu também não gostava de comer. Me lembro da minha mãe literalmente correndo atrás de mim com um prato de comida nas mãos. Minha relação com a comida mudou drasticamente quando eu entrei na puberdade. Mais ou menos na época em que o primeiro menino reparou em mim e eu fiz minha primeira conquista. Em vez de fugir da comida, eu passei a devorar panelas de arroz puro no meio da tarde e dar cabo de um bolo Pullman inteiro numa sentada. Nem preciso dizer que em menos de um ano me transformei de uma criança magrinha a uma pré-adolescente rechonchuda, com toda a rejeição que isso acarreta nessa fase da vida. E começava também o circulo vicioso fome-ansiedade-comida excessiva-satisfação-culpa-ansiedade-fome... numa sucessão infinita até que a gente nem sabe mais o que veio primeiro, a fome, a ansiedade, a rejeição ou a culpa...

Ontem tive um sonho, um dos primeiros de que me lembro suficientemente pra colocar em narrativa em muitas semanas. Eu tinha visto um programa na noite anterior, uma competição de culinária na qual os chefs tiveram que fazer 10 panquecas perfeitas. Eu AMO panquecas. Sou capaz de comer só a panqueca, sem recheio nem cobertura, e ver aquele programa foi nada menos que torturante pra mim. À noite, sonhei que estava em um bufê de café da manhã por quilo, que, além de uma porção de outras coisas gostosas, tinha as tais panquecas, como os americanos comem, macias e fofinhas, levemente adocicadas, fragrantes e divinas. Eu fui pegando as coisas que queria comer, entre elas as panquecas, é claro, e quando cheguei no caixa meu pai estava na minha frente, também com um prato bem cheio. Ao pesar o prato do meu pai, entretanto, o rapaz do caixa disse que o total do prato dele havia totalizado R$100,00. Meu pai, tão chocado quanto eu, começou a devolver várias das coisas que estavam no prato dele, para baixar esse preço absurdo. E eu só pensando quanto o meu prato, cheio das panquecas, ia custar. Fiquei tão revoltada com o preço abusivo do prato do meu pai e com a humilhação que ele estava passando, tendo que devolver metade do que estava no prato dele, que larguei o meu prato com tudo dentro e fui embora. 

Meu pai não tinha a mesma relação conflitiva que eu tenho com a comida. Ele simplesmente adorava comer, mas comer bem, sem exageros, apreciando a comida. Como eu, ele gostava de sair para almoçar ou jantar, desfrutar de uma refeição com amigos ou familiares, mas pra ele isso era só um grande prazer, sem culpa, sem raiva. Até ficar doente. A doença afetou seu sistema digestivo diretamente, e ele nunca mais pôde apreciar a comida, até finalmente ter de parar de comer de vez.

Acho que o significado do meu sonho é bastante claro. O que é louco é pensar que algo que literalmente nos nutre e garante nossa vida pode causar tantas emoções conflituosas... é como aquela frase, que nem sei onde li,  "o que me alimenta é o que me mata." Chocante, sim; mas não por isso menos verdadeiro. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Minhas mulheres e meus homens

Assim que digito o título desta postagem, percebo o quanto ele parece presunçoso, além de incorreto, porque logicamente eu sei que ninguém "é" de ninguém e tals. O mais correto seria, provavelmente, escolher um título como "as mulheres e os homens da minha vida", mas de algum modo não acho que surtiria o mesmo impacto, então deixo o título como está. Caso alguma das pessoas aqui mencionadas leia este texto, desde já peço perdão pelo uso do pronome possessivo.
Nem sei bem por que decidi escrever sobre algumas das mulheres e alguns dos homens que passaram pela minha vida, a não ser pelo fato de que, entre outras coisas, Sonia e eu conversamos sobre isso na última segunda-feira. Na verdade, conversamos sobre minhas escolhas e o que elas dizem sobre mim mesma. E, refletindo sobre isso enquanto escrevo, não posso deixar de pensar que o fato de eu ter me relacionado tanto com homens como com mulheres também diz muito sobre mim. Não é exatamente algo comum para alguém da minha geração. E no entanto, desde o momento em que eu me vi atraída por uma mulher, tudo me pareceu muito natural, e parece até hoje, embora minha relação atual seja com um homem.
Mas talvez seja mais fácil escrever sobre minhas mulheres e meus homens em ordem cronológica.
Os primeiros homens da minha vida perderam qualquer importância em comparação àquele que, até hoje, foi o homem que eu mais amei: meu lindo italiano, Daniele, que conheci no primeiríssimo dia da minha primeiríssima viagem internacional, e seis meses depois de ter conhecido reencontrei e acabei dividindo um quarto e minha vida por mais onze meses em Londres. Até hoje, não consegui reproduzir com mais ninguém, seja homem ou mulher, a intensidade e a plenitude da minha relação com esse homem, meio cigano, meio amoral, totalmente aventureiro e destemido e que me amou, acredito, também como ninguém mais antes ou depois dele. Sinto falta dessa relação e do nosso amor até hoje, mais de vinte anos depois de ela ter terminado para sempre.
Ao voltar para o Brasil, houve muitos homens, sempre na vã tentativa de encontrar um segundo Daniele. Conheci o Cesar, noivei, fui morar junto, casei. Nunca entendi o porquê. Acho que estava cansada de ser solteira, achei que era hora de casar, quem sabe constituir família, sei lá. Não era pra ser. Estava divorciada em menos de cinco anos. Segundo minha tia que me conhece como poucos, "o Cesar nunca foi páreo" pra mim. Acho que ela tem razão. Excessivamente religioso, ele nunca aceitou meu espírito por demais independente e pragmático, e eu tinha dificuldade de aceitar o que, para mim, era uma visão muito estática da vida. Eu queria mais, ele queria o mesmo de sempre. Não deu.
Depois do divórcio, mais alguns casos, inclusive um com um homem casado, e muitas decepções, antes de eu finalmente chegar à conclusão de que eu não me dava bem com os homens, quem sabe me dou melhor com as mulheres?
Alguns meses mais tarde, conheci a Kika no mestrado. Nem eu nem ela jamais estivéramos com outra mulher. A primeira vez que nos beijamos e fizemos sexo, uma revelação! Sexo com mulheres é demais!! Nada daquela tensão que tinha com os homens, nenhum lance de poder, nenhuma preocupação com desempenhos de ambos os lados, tudo muito fluido, muito leve, fantástico!!
Achei que tinha finalmente me encontrado e encontrado um amor que duraria para sempre. Ela me atraía pelas diferenças que tínhamos, já que somos opostas em quase tudo. Foi admiração mútua, uma querendo ser mais como a outra.
Infelizmente, justamente o que nos atraiu acabou por nos separar. As diferenças foram ficando mais difíceis de lidar à medida que o tempo passava, e o fato de que ela nunca aceitou inteiramente estar se relacionando com uma mulher acabou sendo outro fator decisivo para nossa separação. Eu queria morar junto, dividir minha vida com alguém, ela não conseguia encarar isso.
Com a Cristina, finalmente encontrei alguém que queria o mesmo que eu, ou seja, uma relação sob o mesmo teto, o compartilhamento de uma vida a dois, de fato. Durante mais de dois anos nossa relação foi ótima, sem grandes paixões, sem altos e baixos, simplesmente harmônica, cheia de companheirismo. Sinto falta do nosso companherismo. Acho que no fim fomos mais grandes amigas do que propriamente amantes, e tínhamos tanto em comum que era fácil e bom estar junto, compartilhar ideias, viajar, sair com amigos. Até que ser sermos grandes amigas e excelentes companheiras começou a não bastar para mim. Foi então que eu me vi, totalmente sem aviso, novamente atraída por um homem, e depois de um ou dois meses me vi obrigada a romper a relação com minha companheira para tentar novamente me relacionar com alguém do sexo oposto.
É nesta relação que ainda estou hoje, após ter rompido, morrido de tristeza e conseguido convencê-lo a voltar comigo dez dias depois. No todo, desconsiderando esse hiato de pouco mais de uma semana, estamos juntos há seis meses.
O que, exatamente, me atraiu nele, ainda nem sei direito. Acho que o fato de ele ser tão mais novo que eu foi um fator importante. A juventude dele, se por um lado me lembra o tempo todo que eu já não sou tão jovem, por outro lado me faz sentir jovem, afinal, não é sempre que um rapaz de vinte e poucos anos se apaixona e quer namorar uma mulher de quase cinquenta.
De certo modo, entretanto, o que me atraiu nele é justamente o oposto do que me atraiu na Kika, ou seja, ele é muito parecido comigo. Eu me vejo nele quando tinha vinte e três anos, e ainda hoje mesmo, temos a mesma independência, o mesmo espírito rebelde, a mesma teimosia e, principalmente, a mesma terrível insegurança que nos faz armar até os dentes sempre que nos sentimos rejeitados ou de algum modo atacados. E, se as diferenças entre eu e a Kika tornaram nossa relação muito difícil, as semelhanças entre meu namorado atual e eu também não facilitam as coisas pra nós. As brigas são constantes, e o entendimento, quase impossível. Continuamos tentando, porque nos gostamos muito, ainda acreditamos na nossa relação. Mas se vamos ou não conseguir superar as enormes dificuldades que estamos enfrentando, só o tempo dirá.
Chegando ao fim deste texto, que aliás acabou ficando enorme, eu me pergunto: tudo bem, Dulce, mas e aí? Existe alguma moral nesta história? O quê, afinal, essas mulheres e esses homens e o fato de você os ter escolhido dizem sobre você mesma? E, revendo a minha relação com essas cinco pessoas que enumerei aqui e com as tantas outras que este espaço seria muito pequeno para enumerar, vejo que não há conclusão possível, por serem pessoas tão absolutamente distintas, que me atraíram também pelas mais diversas razões e com as quais tive relações ímpares. A única coisa que todos têm em comum foi que, em algum momento de suas vidas, eles me amaram o suficiente para querer dividir ao menos um pedacinho de suas vidas comigo. E por isso eu lhes serei eternamente grata.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sincronicidade

As coisas acontecem de um jeito engraçado às vezes. Fazem a gente pensar se a tal sincronicidade de que falam por aí existe mesmo ou se são tudo coincidências.
Fato é que um dia após a minha última postagem, na qual falo do meu medo das pessoas, muito mais do que de espíritos ou fantasmas, deparei-me com uma entrevista que parecia fazer eco às ideias que tinha acabado de postar aqui. O entrevistado era Tim Burton, o cineasta americano conhecido por suas imagens no mínimo bizarras e, às vezes, até meio horripilantes. E eis o que ele afirma na entrevista: "Meus pais ficavam surpresos porque eu assistia filmes de terror e não tinha medo nenhum. Nunca tive medo de vampiros ou de Frankenstein. As pessoas reais é que são assustadoras."


Continuando a ler, cheguei a uma parte na qual Tim Burton falava de sua infância. Assim como eu, ele foi uma criança esquisita, diferente das outras, sempre considerado meio doido. Deve ter sofrido muito bullying, assim como eu também sofri, antes mesmo de terem cunhado esse termo. Naquela época a gente engolia e pronto, não tinha toda essa explicação psicossocial pra esse tipo de comportamento, o consenso era de que "crianças são cruéis mesmo, fazer o quê?"
É fácil entender por que tanto o Tim quanto eu temos dificuldades para confiar nas pessoas até hoje.

Já no final da entrevista, ele confessa, " Sabe o que é estranho? É que sempre me achei normal quando era criança. Depois de um tempo, você começa a pensar que é maluco, porque todo mundo te chama assim. Aí os anos passam e você se dá conta de que eles estavam certos, você era louco, mesmo."
Será?

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sobre fantasmas e gente

Ontem fui a uma mãe de santo. Não sou da Umbanda, nem do Candomblé. Na verdade, não aceito fazer parte de nenhuma religião, talvez por falta de fé, talvez porque meu lado rebelde não aceita seguir dogmas, e talvez, ainda, porque tenha uma desconfiança inata de tudo o que é fruto do ser humano. Sempre me senti mais à vontade com minha própria religiosidade meio sincrética.

Mas, me sentindo um lixo há mais de dez dias, e sem saber direito onde terminava a doença física e onde começava a psicológica, ou espiritual, decidi que precisava de ajuda, e que talvez apenas ir a um médico não bastaria, e aceitei fazer uma consulta.
Segundo a mãe-de-santo que consultei, eu estou com “carrego”. Esta é a palavra usada pela Umbanda para se referir a algum trabalho feito contra a pessoa, seja meramente por inveja, seja por ódio mesmo. Terei que passar por um ritual de limpeza, com o objetivo de me livrar do carrego e me proteger de futuros olhos gordos.

Mas, em dado momento da consulta, ela me disse algo que ainda me foi mais perturbador: que meu pai, morto há quase sete anos, poderia estar “pairando” por perto de mim, com o intuito de me ajudar, mas que essa presença dele poderia estar me atrapalhando mais que ajudando. E isso me assustou mais do que qualquer trabalho que algum desafeto pudesse me ter feito, porque com os vivos a gente sempre lida melhor. Eu sei que tanto no ambiente de trabalho, o mais propício a esse tipo de rivalidade, como fora dele, sempre vai haver pessoas invejosas, que nos desejam mal, mas nunca tive um medo irrazoável desse tipo de coisa, afinal, digo a mim mesma, são só pessoas, humanas como eu e, como eu, passíveis de sentimentos negativos.
Mas, e os mortos? Como lidar com os fantasmas dos nossos seres amados que nos deixaram, às vezes há tempos, como é o caso do meu pai, mas que ainda assim nos assombram?

Que não me entendam mal meus poucos leitores, este não está prestes a se tornar um texto sobre fenômenos sobrenaturais! Não acredito que o fantasma, ou espírito, do meu pai esteja realmente me rondando e atrapalhando minha vida. Mas sei, sim, que ele ainda me assombra, de um modo muito real e muito, muito prejudicial. E eu precisei ficar fisicamente doente para me dar conta de que ainda não me curei dessa doença psicológica.
A minha doença física não é nada do outro mundo, muito menos incurável. Trata-se apenas de uma infecção crônica que de repente virou aguda e me tirou a energia e o bem-estar. E eu me lembrei do meu pai porque, em meio à doença dele, essa sim incurável e fatal, ele dizia que daria tudo para “se sentir gente” de novo. O câncer lhe roubou a humanidade, ao lhe tirar o que ele tinha de mais precioso, sua saúde, ele que era um homem tão ativo. E, nestes últimos dias, ao me pegar pensando que eu, também, queria voltar a me sentir como gente, subitamente pensei como isso era injusto, como eu estava reclamando de “barriga cheia”, porque, diferentemente do meu pai, eu com certeza vou voltar a me sentir “como gente” assim que sarar desta infecção.

Meu pai, por outro lado, nunca teve sua humanidade restaurada. Nunca voltou a se sentir como gente. Em menos de um ano o câncer o matou, não sem antes ter causado muitas dores, para as quais não havia alívio possível. E hoje me peguei em lágrimas pensando nisso, pensando como foi brutal e injusto que meu pai, que era médico e dedicou sua vida adulta inteira a ajudar os outros a se sentissem melhor, não teve a mesma sorte quando adoeceu. E, ao perceber como ainda sofro e não me conformo com esse fato, que aconteceu há tantos anos, percebi também que eu ainda não sarei da minha real doença. As infecções, as gripes, as dores de estômago, essas podem ser curadas com remédios. Mas e a dor da culpa, de ainda estar aqui e saber que eu vou voltar a me sentir gente, enquanto meu pai morreu sem jamais voltar ter esse direito? Quem cura essa doença??...
Infelizmente, não acho que o ritual de limpeza que farei em alguns dias tenha esse poder. Essa cura eu vou ter que buscar em mim mesma. Que Deus me ajude.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

Mensagem para quem não me lê - parte II

Meu amor, meu menino, meu homem, esta mensagem é para você, que provavelmente nem se lembra do endereço deste blog... Embora eu tenha te mostrado ele uma vez, e você até tenha lido o primeiro post desta minha volta à toca. Lembro que fiquei magoada, porque quando você me leu não disse nada, não ofereceu crítica nem elogio, ficou calado. Do mesmo jeito que ficou calado quando eu disse que não dava mais pra nós. Não contestou, não tentou me convencer, justo você que sempre tentava me convencer de que tanta coisa em que eu acreditava estava errada. Justo agora, que eu bem que posso estar errada. Afinal, por que outra razão eu, que terminei a relação, ia estar sofrendo tanto?... Não deveria ser o contrário, eu não deveria estar aliviada, ufa, consegui terminar uma relação que não estava dando certo, não estava nos fazendo felizes...? Mas não, tudo o que eu penso é em como sinto sua falta e como queria ter você de novo nos meus braços, na minha cama, em cima, embaixo, dentro de mim. Hoje é sexta-feira, estou sozinha e você está afogando as mágoas na vodka (pelo menos você me disse que iria sair pra beber, e eu imagino que se vai mesmo fazer isso, não vai ser com cerveja, e sim com sua bebida favorita). Daí me pego pensando, será que fiz mesmo a coisa certa?? Minha cabeça diz “Sim, não podia dar certo, vocês são diferentes demais, não têm nada em comum, iam começar a se odiar a qualquer momento!”, mas meu coração diz, “Não, sua tonta, vocês se gostam de verdade, ele te entende como ninguém, apesar das diferenças, apesar das dificuldades, por que terminou, por preconceito?” Em quem acreditar, na minha razão ou na minha emoção? Como para tantas outras questões na minha vida, também não consegui achar ainda a resposta para esta. E agora sinto você escapando de mim, e meu medo é que se um dia me decidir pela emoção seja tarde demais.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Sessões das segundas-feiras

Faz bem pouco tempo que retomei essas sessões, que antes eram às quartas-feiras, agora são às segundas-feiras; antes eram cedinho, quando meu dia ainda estava começando e eu me preparando pra correria do trabalho, agora são no final do dia, quando eu já estou cansada e pronta pra ir pra casa, cair no meu sofá e relaxar. Antes disso, entretanto, dirijo-me ao bairro de Moema. Subo ao 60 andar, sempre com alguma apreensão, alguma ansiedade: sei como estou entrando, mas como será que vou sair, daqui a uma hora? A única certeza que tenho é que não sairei igual. Daqui a curtos 60 minutos eu já serei um pouquinho diferente.

Ela abre a porta, e nunca esquece de me oferecer algo, um café, uma água de coco, sempre a mesma gentileza, o mesmo cuidado. E é com esse mesmo cuidado que me convida a entrar, me faz sentir acolhida, como se a separação não tivesse sido longa – mais de três anos – e, quando entro na sala, que nem é a mesma de antes, mas continua elegante e confortável, eu me pego pensando: “ainda bem que voltei!”

Minhas sessões das segundas-feiras são curtas, às vezes difíceis, às vezes até doídas, mas sempre, sem exceção, transformadoras. E, enquanto eu saio da sala, desço no elevador e saio do prédio, não posso deixar de pensar em como tenho sorte de ter esses encontros semanais com essa pessoa tão rara, tão sensível e tão essencial a essa que é, certamente, a minha mais importante missão, e que deveria ser a mais importante missão na vida de todos nós: desvendarmos o mistério que somos, em busca de uma vida mais plena.

(Para Sônia e Anônimo)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

DE VOLTA À TOCA


Após mais de três anos, estou finalmente de volta à minha toca do coelho. Confesso que estava sentindo falta destes encontros comigo mesma, neste lugar que, apesar de acessível a todos, é na verdade acessado por tão poucos. Bom, suponho que até este aparente paradoxo tem tudo a ver comigo. A verdade é que a principal razão de eu ter decidido a voltar a postar aqui foi o meu retorno à minha antiga terapeuta e uma de minhas mais fiéis leitoras. Afinal, estes meus escritos sempre foram mais uma ferramenta terapêutica do que, propriamente, textos literários. Nunca tive, e certamente não tenho agora, nenhuma pretensão de fazer deles nada além do que realmente são, reflexões pessoais de uma pessoa em busca de si mesma.
Mais uma evidência disso é que meus sonhos sempre foram um material importantíssimo nestes textos, vários dos quais foram baseados ou inspirados neles. E este post não é diferente. Nele quero relatar um sonho que tive esta noite e que teve importância especial para mim.
Eu estava com uma família. Aparentemente normal, mãe, pai e filhos. O interessante é que, embora soubesse que o casal tinha mais filhos, só me lembro de um. Um menino, cinco ou seis anos, que, assim que me viu, me abraçou forte e me disse que eu era bonita e cheirava bem. Lembro-me de pensar como esse tipo de demonstração de carinho é raro em meninos, que geralmente preferem brigar e chutar como forma de afeição. Mas gostei muito da experiência.
A um certo ponto, entramos em um carro para ir à casa deles. O marido, então, me disse que lia tarô, e eu achei isso também surpreendente. Ele não tinha cara de quem lia tarô. Até aí, desconfiava que essa família aparentemente tão ordinária na verdade era bastante diferente. A casa deles também fugia do normal, com cômodos amplos, que incluíam uma grande jacuzzi onde a família se reunia. Comecei então a conversar com a esposa, que era professora de inglês à noite e me disse que, embora fosse judia, tinha "mandado a tradição judia dela às favas". Achei aquilo muito rebelde e gostei imediatamente. Gostei também dos cabelos dela, pintados de um vermelho intenso. Mais tarde fomos todos à mesa de jantar e continuamos conversando. A última coisa da qual me lembro é de ter me olhado no espelho e me visto jovem e bela, e pensado "ela (a esposa) parece muito mais velha do que eu."
Para mim, está claro que ambas, a "eu" no sonho e a esposa, são, na verdade, eu mesma. A eu que é solteira inveterada, que se espanta tremendamente com o afeto vindo de um menino, e a eu que, no fundo, queria muito ter uma família, mas uma família como essa, tão normal na superfície, mas no fundo tão extraordinária.
Outras interpretações possíveis (e há várias, inclusive algumas muito pertinentes do meu namorado, que, muito possivelmente está no sonho tanto na criança como no marido), ficarão para a minha sessão da segunda-feira.