Mas, me sentindo um lixo há mais de dez dias, e sem saber
direito onde terminava a doença física e onde começava a psicológica, ou espiritual,
decidi que precisava de ajuda, e que talvez apenas ir a um médico não bastaria,
e aceitei fazer uma consulta.
Segundo a mãe-de-santo que consultei, eu estou com “carrego”.
Esta é a palavra usada pela Umbanda para se referir a algum trabalho feito
contra a pessoa, seja meramente por inveja, seja por ódio mesmo. Terei que
passar por um ritual de limpeza, com o objetivo de me livrar do carrego e me
proteger de futuros olhos gordos.
Mas, em dado momento da consulta, ela me disse algo que ainda
me foi mais perturbador: que meu pai, morto há quase sete anos, poderia estar “pairando”
por perto de mim, com o intuito de me ajudar, mas que essa presença dele
poderia estar me atrapalhando mais que ajudando. E isso me assustou mais do que
qualquer trabalho que algum desafeto pudesse me ter feito, porque com os vivos
a gente sempre lida melhor. Eu sei que tanto no ambiente de trabalho, o mais
propício a esse tipo de rivalidade, como fora dele, sempre vai haver pessoas
invejosas, que nos desejam mal, mas nunca tive um medo irrazoável desse tipo de
coisa, afinal, digo a mim mesma, são só pessoas, humanas como eu e, como eu,
passíveis de sentimentos negativos.
Mas, e os mortos? Como lidar com os fantasmas dos nossos
seres amados que nos deixaram, às vezes há tempos, como é o caso do meu pai,
mas que ainda assim nos assombram?
Que não me entendam mal meus poucos leitores, este não está
prestes a se tornar um texto sobre fenômenos sobrenaturais! Não acredito que o
fantasma, ou espírito, do meu pai esteja realmente me rondando e atrapalhando
minha vida. Mas sei, sim, que ele ainda me assombra, de um modo muito real e
muito, muito prejudicial. E eu precisei ficar fisicamente doente para me dar
conta de que ainda não me curei dessa doença psicológica.
A minha doença física não é nada do outro mundo, muito menos
incurável. Trata-se apenas de uma infecção crônica que de repente virou aguda e
me tirou a energia e o bem-estar. E eu me lembrei do meu pai porque, em meio à doença
dele, essa sim incurável e fatal, ele dizia que daria tudo para “se sentir
gente” de novo. O câncer lhe roubou a humanidade, ao lhe tirar o que ele tinha
de mais precioso, sua saúde, ele que era um homem tão ativo. E, nestes últimos
dias, ao me pegar pensando que eu, também, queria voltar a me sentir como
gente, subitamente pensei como isso era injusto, como eu estava reclamando de “barriga
cheia”, porque, diferentemente do meu pai, eu com certeza vou voltar a me sentir
“como gente” assim que sarar desta infecção.
Meu pai, por outro lado, nunca teve sua humanidade
restaurada. Nunca voltou a se sentir como gente. Em menos de um ano o câncer o
matou, não sem antes ter causado muitas dores, para as quais não havia alívio
possível. E hoje me peguei em lágrimas pensando nisso, pensando como foi brutal
e injusto que meu pai, que era médico e dedicou sua vida adulta inteira a ajudar
os outros a se sentissem melhor, não teve a mesma sorte quando adoeceu. E, ao
perceber como ainda sofro e não me conformo com esse fato, que aconteceu há tantos
anos, percebi também que eu ainda não sarei da minha real doença. As infecções,
as gripes, as dores de estômago, essas podem ser curadas com remédios. Mas e a
dor da culpa, de ainda estar aqui e saber que eu vou voltar a me sentir gente,
enquanto meu pai morreu sem jamais voltar ter esse direito? Quem cura essa
doença??...
Infelizmente, não acho que o ritual de limpeza que farei em
alguns dias tenha esse poder. Essa cura eu vou ter que buscar em mim mesma. Que
Deus me ajude.
Um comentário:
Poderia estar ou está?
Eu não acredito que a presença de um Pai, (mesmo que já em outro plano) iria atrapalhar a vida de um filho.
Dulce acredite em seu coração!
Acha que seu pai teria coragem de te atrapalhar??
Neste meio, que se julgam "espiritualistas", acredito que são mais oportunistas.
Jamais um pai atrapalharia a vida de um filho...
Continuo adorando seus textos. E no aguardo de muito mais....
Fique com Deus...
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