DISCLAIMER
Este blog não tem pretenções literárias. Todos os textos postados aqui são produto de uma mente um tanto inquieta e, como tal, em constante busca de respostas para as inúmeras perguntas que teimam em surgir sem serem convidadas. Leitores que caírem, propositalmente ou não, nesta toca devem, portanto, abster-se de julgamentos de valor e tentar ler esses pequenos posts sem preconceitos...


domingo, 19 de outubro de 2008

Sobre a Utilidade das Fitas Verdes

Desde pequena, Alice se esforçara para se encaixar no mundinho pequeno, confortável e seguro da aldeia onde morava. Lá, a vida corria como devia ser. Crianças brincavam inocentes; adultos casavam-se e faziam filhos; e velhos contavam histórias, que sempre tinham finais felizes e envolviam crianças que brincavam e adultos que se casavam. Menos a avó de Alice: suas histórias envolviam lobos que devoravam meninas que eram diferentes das outras. Ela sabia que Alice era diferente. E Alice sabia que a avó sabia, e que também sabia que o lobo a visitava todas as noites, quando tentava em vão sonhar sonhos de menina. E todas as manhãs ela olhava a avó e a avó a olhava, e sabia. Alice não sabia se temia mais o lobo ou sua avó.

Um dia, a avó de Alice se mudou para a aldeia vizinha, na qual só se chegava atravessando uma densa floresta. Alice respirou aliviada. E sua vida voltou a ter uma aparência de normalidade.

Até que sua avó adoeceu seriamente, e sua mãe pediu que ela fosse até lá cuidar dela.

"Não quero ir, mamãe, tenho medo da floresta!!" disse a menina.

"Medo de quê, boba, não há nada na floresta, são histórias... tua avó precisa de você."

Alice ainda tentou lutar contra a mãe, mas sabia que era uma luta perdida. Enfim, arrumou suas coisas e partiu em direção à aldeia da avó.

Após algumas horas de caminhada, a menina chegou à floresta que tantas vezes vira em seus sonhos de vigília. Parou embaixo da primeira árvore e respirou fundo. "Daqui não há volta", pensou. E pôs-se novamente a caminhar entre as árvores, que iam ficando maiores à medida que avançava. Alice fechou os olhos e prosseguiu.

Após caminhar por alguns minutos, enroscou-se em algo que pendia das árvores. Abriu os olhos e viu uma longa fita verde. Após pensar alguns segundos, decidiu pegar a fita e levá-la consigo. Colocou-a dentro da cesta onde levava os remédios para a avó e seguiu em frente.

Algumas horas depois, chegou à casa da avó. A velha estava na cama, e parecia a Alice que havia encolhido e envelhecido muito além de seus anos. Seus olhos eram imensos e fundos, e neles a menina reconheceu um sentimento familiar. "Meu Deus, ela está com medo", pensou.

"Do que você tem medo, vovó?" perguntou Alice.

"Tenho medo do lobo!" respondeu a velha. "Vem aqui, minha neta, me abraça enquanto é tempo, que hoje à noite o lobo vai me levar..."

E Alice a abraçou.

Na manhã seguinte, Alice levantou-se para dar o remédio da avó e encontrou-a morta na cama. Em seu rosto arroxeado, os olhos imensos ainda guardavam uma expressão de incredulidade. E em torno do seu pescoço, bem apertada, ainda estava a fita verde.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

JANTAR


O closet parecia não ter fim, e nem as roupas, os sapatos e os acessórios dela, cada um mais lindo do que o outro. Para mim, a sensação de estar naquele lugar só poderia ser comparável à que uma criança deve sentir ao entrar pela primeira vez num parque de diversões repleto de brinquedos e atrações dos mais excitantes, mas sem poder ir a nenhum.

Ela notou que eu estava pensativa, e perguntou o que ia pela minha cabeça.

"Estava pensando como você dorme", disse.

"Muito mal", respondeu.

"Eu imaginava."

"Por quê?"

"É muita riqueza!"

"Você sabe que isso tudo pode ser seu também."

"Obrigada, mas prefiro tentar obter tudo isso sozinha."

"Mas você sabe que isso é difícil. A gente não pode conseguir tudo na vida sozinho..."

Enquanto eu pensava sobre como iria responder a isso, ela se aproximou. Eu parei de pensar.

Mais tarde, comecei a ouvir sons vindo do andar de baixo da casa, risadas, música. Alguém estava tocando piano.

"O que é isso?" eu perguntei.

"Estão dando um jantar. Vem comigo?"

"Mas não posso descer assim."

"Não tem problema..."

Quando saímos, eu olhei no espelho do quarto. A pessoa que olhou de volta pra mim era eu, mas não era. Vi uma mulher morena, vestida em um Versace estampado com girassóis multicoloridos que pareciam querer pular do vestido e dançar ao som da música que vinha lá de baixo. E ao pensar nisso, eu também comecei a sentir vontade de dançar...
"Estou pronta", eu disse.

"Vamos."