
Um dos maiores clichês da humanidade é que todos achamos que certas coisas jamais acontecerão conosco. Até acontecerem. Certas coisas são impensáveis, até sermos forçadas a pensar nelas. E quando, numa página de diagnóstico de um laboratório clínico, lemos a palavra "carcinoma", temos a nítida sensação de que estamos lendo o diagnóstico de outra pessoa. Certamente aquilo não pode ter nada a ver conosco, certo? Errado.
Só quem já passou por coisa parecida, quem já abriu um laudo laboratorial e viu essas palavras referentes a si próprio, terá a exata noção do que estou querendo dizer aqui.
No meu caso específico, essas palavras são "carcinoma basocelular pigmentado", um tumor maligno bem acima da minha sobrancelha direita. Amanhã ao meio-dia a médica vai extirpar esse tumor e, com um pouquinho de sorte, ele nunca mais irá voltar.
Sorte.
Palavra interessante se associada a qualquer tipo de câncer. Por um lado, se as estatísticas da minha dermatologista estiverem certas, estou entre os 5% de pessoas cujas pintas na testa são, na verdade, tumores malignos. CINCO por cento. Por outro lado, posso me considerar uma felizarda. Meu carcinoma, aparentemente, é dos mais fáceis de serem curados, e eu tive a sorte de diagnosticá-lo no início.
De repente, a noção do que é ou não é sorte se torna muito relativa.
Desde que tive esse diagnóstico, há aproximadamente 20 horas, a humanidade, para mim, se divide em dois grupos de pessoas: as que têm câncer e as que não têm. E, como a grande maioria das pessoas com quem me relaciono pertence ao segundo grupo, é como se, literalmente de um segundo para outro, eu tivesse sido puxada para longe delas. Hoje pertenço ao grupo das pessoas que não têm mais o luxo de se acreditarem senhoras do seu próprio destino.